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2 de mar. de 2011

Critica: Cisne Negro


O subir dos créditos finais ao som de Tchaikovsky remodelado por Clint Mansell é uma das maiores sensações de alivio que eu já senti, pois não é fácil segurar seu fôlego e se sentir aflito ininterruptamente por mais de 1 hora e quarenta minutos.
 
Eu posso afirmar sem nenhum problema que poucas vezes assisti a um filme tão denso e pesado quanto Cisne Negro em toda a minha vida. Posso até dizer que Cisne Negro é mais pesado que o cinema e seus conceitos. Eu digo isso porque quando colocado lado a lado com outros filmes de peso inerente, e dentre esses filmes posso citar três do próprio Aronofsky, Cisne Negro é o mais arrebatador de todos, o mais difícil e o mais bonito e desde já um dos melhores filmes que eu já assisti.

Réquiem por um Sonho, A Fonte da Vida e O Lutador são três filmes brilhantes do diretor, que iniciaram a trajetória (Na verdade se iniciou em PI eu sei...) dele que culminou agora no brilhante Cisne Negro, o ápice de sua carreira, diga-se de passagem, desses o paralelo comparativo instintivamente traçado deveria ser com O Lutador, como o próprio diretor falou nas entrevistas de divulgação para Cisne Negro, os dois filmes nasceram em um só, os dois filmes são irmãos, mas a direção de ambos não podiam ser mais diferentes, O Lutador é filme focado muito mais em emoções e sentimentos do que na falta deles em função da técnica como é feito no filme agora analisado. Réquiem por um sonho talvez consiga se aproximar um pouco do peso de Cisne Negro, porém enquanto no filme de Jared Letto e Jeniffer Connelly eles precisavam usar drogas para desafiar sua consciência e a sua realidade, aqui no filme de Natalie Portman ela destrói a sua própria realidade conscientemente apenas com seu perfeccionismo e o seu desejo sem propósito de ser uma dançarina perfeita e uma estrela notável dentro de sua arte.

A primeira vitima (e também a ultima) da esquizofrenia alto provocada de Nina (personagem de Portman) é seu próprio corpo. De inicio sacrifícios físicos como falta de uma alimentação normal, e machucados auto provocados por arranhões e excesso de treinamento, depois ferimentos ilusórios como sangramentos ao redor das unhas e peles sendo arrancadas do corpo. Com o passar do tempo ela se torna parcialmente o próprio cisne negro que ela tentava encarnar.
Outro paralelo muito obvio e natural é com a  obra prima de David Fincher, Clube da Luta, não em conclusões ou na grandeza das historias em si, mas nas características dos protagonistas. Projeção em outras pessoas, dualismo, esquizofrenia e inúmeros outros adjetivos e patologias. Tyler Durden e Nina Sayers interiorizam dentro de si um grande contraste de Luz e Trevas, e ambos conseguiram isso forçando sua sanidade com uma barreira de autopreservação e privação. Quando essa barreira chega ao extremo de esmagar a sanidade, ambos têm o mesmo tipo de comportamento, projetam em outra pessoa, e vivem por essa a partir daí, a primeira reação de ambos é também a de total libertação, a privação, autocontrole e a perfeição sendo usurpadas pelos instintos. É claro que ir, além disso, na comparação é injusto com o filme de Aronofsky visto que a historia tem outro foco, mas também é injusto dizer que Clube da Luta é mais sombrio e pesado que Cisne Negro, pois enquanto todos (... tudo bem, nem todos, mas eu pelos menos sim.) glorificam o surto esquizofrênico e terrorista de Tyler Durden, todos ficam chocados e horrorizados ao observar o surto esquizofrênico da pequena e frágil bailarina Nina Sayers.
Aronofsky conseguiu uma das mais difíceis tarefas que podia ter encontrado, conduzir uma historia como essa sem perder a noção do que fazia, e nos brindar com um fim apoteótico que traz finalmente alguma emoção ao filme, que foi propositalmente conduzido de forma completamente racional, e por vezes até surreal, seguindo sempre a condição mental da nossa protagonista para imprimir a atmosfera mostrada em tela.

Mas é claro que o diretor não conseguiria tal feito se não tivesse escolhido muito bem sua protagonista, imagino que se alguma atriz tiver recusado o papel de Nina Sayer ela provavelmente deve estar tendo os mesmos surtos que a personagem no momento, pois o papel da bailarina sombria de Aronofsky é o papel da vida de qualquer jovem atriz. Exceto é claro uma jovem atriz do nível de Natalie Portman, mas de qualquer forma a união da talentosa atriz com a dificuldade apresentada pelo papel foi perfeita Natalie sem duvida alguma já venceu o Oscar do ano, não tem nem para Carey Mulligan com seu Não me abandone jamais (que talvez nem seja indicada.).

Winona Ryder tem pouco a fazer em cena, pois sua personagem é apresentada sempre de forma eclipsada, seja pelos holofotes na nova Swan Queen, ou sobre a atmosfera do hospital em que se encontra. E mesmo assim consegue mostrar um pouco do brilho que tinha antes em cenas entrecortadas e mescladas.
Vincent Cassel está ótimo em seu papel e é o condutor do exagero e do aumento na busca da perfeição de Nina, embora ele mesmo alivie a busca dizendo que a emoção é tão importante quanto a perfeição. Pessoas como ele parecem não se importar com o que o seu julgamento e criticas diretas fazem com os criticados, enquanto alguns podem levar para o lado construtivo, outros como Nina obcecada por aprovação alheia e infantilizada por sua mão, podem ter uma reação completamente oposta. Sabe quem mais é um personagem parecido com o de Cassel? Eu... você... seus amigos... O personagem de Cassel é completamente humano, embora seja perfeccionista e um profissional duro demais.

Barbara Hershey que compõe a mãe de Nina é um dos melhores personagens em tela, humana ao extremo, é sempre difícil saber se ela torce pelo sucesso de sua filha, ou se a inveja por conquistar algo que ela mesmo não foi capaz em sua juventude quando foi também uma bailarina. A infantilização de Nina também parece ser imposta pela própria mãe, que a proíbe de ter privacidade (impedindo que essa tranque a porta do quarto.) e tratando-a como criança varias vezes.
Por outro lado, Lilly a personagem vivida por Mila Kunis é o perfeito oposto de todos ao seu redor, em especial é claro de Nina. Diferente de todas as integrantes do grupo de balé de Nina, Lilly se diverte dançando e não parece se preocupar muito, ou nada na verdade, com a perfeição de seus movimentos, e de sua alimentação, comportamento, logo é vista por Nina como rival, depois é vista como companheira, e ainda tudo é confundido mais tarde sobre Lilly ser ou não uma pessoa diferente da própria Nina, apenas um reflexo ou apenas Lilly. (Só assistindo para entender.)
 
A fotografia sombria de Matthew Libatique, combinada com a direção que o roteiro toma mais a atmosfera que Aronofsky emprega ao filme transformam Cisne Negro não em um simples filme de Drama, mas sim em um filme de terror, e dentro desse gênero digo que foi o melhor já realizado. Os efeitos sonoros (outra vitoria certa no Oscar) ajudam para essa composição, pois somos sempre afligidos por sons que a mente de nina capta, seja risadas de deboche, que parecem ridicularizá-la, também ruídos estranhos por toda a parte, ou seja pelo som dos ossos de Nathalie que parecem que vão desabar a cada movimento que ela faz e por ultimo o leve e distante som de bater de asas que Nina escuta quando faz alguns movimentos.

Por ultimo tenho que reservar um parágrafo elogiando a trilha sonora do grande artista Clint Mansell que algum tempo já faz parceria com o diretor, e aqui aplica uma trilha sombria baseda nos temas sonoros de Tchaikovsky fazendo referencia e reverencia ao balé e ainda afundando de vez a atmosfera do filme em trevas.
Antes eu tinha mencionado espelhos e reflexos e é interessante falar sobre reflexo novamente, pois muito do filme se baseia nele, espelhos estão por todas as partes, ilustram perfeitamente a esquizofrenia de Nina, não é raro ver o reflexo dela se movimentando mais lento do que os movimentos da Nina real, como se uma outra Nina tentasse se desprender daquela Nina insossa e aborrecida. E afinal o espelho aqui é a arma que liberta a segunda Nina, feita de instintos e emoções de sua prisão mental imposta pela Nina racional e perfeccionista. E que nos brinda com um dos mais belos finais já visto no cinema, com Nathalie Portman demonstrando novamente sua perfeição na papel, dando um tom completamente diferente para os mesmos movimentos de dança para o qual ela ensaiou durante todo o filme. Sensual como seu instrutor queria, sem em nenhum momento lembrar a personagem que víamos na tela durante todo o tempo de projeção. A transformação é também visual e completa com um grande trabalho da equipe de efeitos especiais, que deve levar uma indicação ao Oscar só por essa cena, quando a segunda Nina, ou as emoções da única Nina se liberta e ela consegue se transformar naquilo que ela tanto treinou e quis ser Odile, para então talvez, e só talvez deixar de existir.

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